LITERATURA – BRASILEIRA


  • antigamente
    diziam: cuidado,
    as paredes têm ouvidos

    então
    falávamos baixo
    nos policiávamos

    hoje
    as coisas mudaram
    os ouvidos têm paredes

    de nada
    adianta
    gritar

    (Ruy Proença)

    Poema extraído do livro Visão do térreo de Ruy Proença. São Paulo: Editora 34, 2007.

  • Essa postagem faz parte do Desafio Mulheres na ABL, que é ler pelo menos um livro de cada escritora e fazer uma postagem sobre ela e sua obra.

    Aceita o desafio também?

    Confira os livros que já foram lidos:

    O Quinze – Rachel de Queiroz

    O Baile de Máscaras – Rosiska Darcy de Oliveira

    Tropical Sol da Liberdade – Ana Maria Machado

    Memorial de Maria Moura – Rachel de Queiroz

    O pão de cada dia – Nélida Piñon

    Ciranda de Pedra – Lygia Fagundes Telles

    Anarquistas graças a Deus! – Zélia Gattai

    Daniela e os Invasores – Dinah Silveira de Queiroz

    A muralha – Dinah Silveira de Queiroz

    Livro das Horas – Nélida Piñon

    Cinco Séculos de Sonetos Portugueses – Cleonice Berardinelli

  • As Mulheres na vida dos grandes escritores

    Ainda necessitando ser descoberta pelos leitores brasileiros, Maria Julieta Drummond de Andrade era escritora e filha do poeta Carlos Drummond de Andrade. Ela nasceu em Belo Horizonte, em 1928, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1987, morou em diversos países, teve uma atuação profissional na diplomacia e no ensino, que possibilitou a divulgação da cultura brasileira mundo a fora.

    Segundo seu filho, várias vezes, seu avô Carlos Drummond disse: A obra da Maria Julieta é mais importante que a minha.. Justamente por ela ajudar a divulgar o Brasil globalmente. Além disso, ao sair de Buenos Aires (depois de décadas exilada naquele país), Maria Julieta escreveu a seguinte citação latina:Fiz o que pude, façam melhor os que puderem. Ela era uma mulher corajosa, de frases fortes e de atuação destemida em vários campos.

    A Busca (Maria Julieta )

    Carlos Drummond se correspondia regularmente com a filha. Uma vez ela perguntou ao seu filho: O que é a pior coisa que poderia acontecer com seu avô?. Em seguida respondeu: Que eu morra antes dele.. Infelizmente isso foi o que aconteceu, invertendo a ordem natural.

    Gatos e Pombos (Maria Julieta)

    Entre as obras da autora, destacam-se, seu primeiro romance A Busca, que ela escreveu aos 16 anos, seu romance da maturidade Gatos e Pombos (Maria Julieta amava gatos e possuía uma gata chamada Greta), Um Buquê de Alcachofras e O Valor da Vida.

    Na crítica de Um Buquê de Alcachofras lê-se:

    … há efetivamente aqui muito mais do que habilidade jornalística de que alguns cronistas se servem para recontar o factual, como é comum entre os repórteres que impessoalmente reproduzem os flagrantes de rua. Maria Julieta vai ao cerne, à substância das coisas; é muito visual, certo, mas não deixa nunca de captar o lado oculto dos episódios. Diante de uma prosadora assim, quaisquer comentários que lhe dediquemos ficarão sempre aquém de seu mérito.

    Para saber mais sobre essa mulher extraordinária, vale a pena conferir a entrevista de seu filho no Youtube:

    Esta é mais uma contribuição do blog 600 livros para o blog Literatura Brasileira.

    Muito obrigada a todos e todas que acompanham o nosso trabalho!

  • As Mulheres na vida dos grandes escritores

    Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) talvez seja o mais reconhecido e renomado dos escritores brasileiros. Ele era afro-descendente dentro de uma sociedade racista e elitista, mas conseguiu se sobressair com seu talento extraordinário. E também com o apoio de muitas outras pessoas ao longo de toda sua vida.1

    Entre elas, destaca-se a portuguesa Carolina Augusta Xavier de Novais, sua companheira e esposa por toda vida. Dizem que quando eles se conheceram, foi amor à primeira vista (Quem sabe?). Carolina era uns cinco anos mais velha do que Machado e deveria ter uns 32 na época do noivado.2 Os irmãos de Carolina, Miguel e Adelaíde não concordaram que ela se envolvesse com um “mulato”. Mesmo assim, o casamento aconteceu em 12 de novembro de 1869.

    Carolina Augusta em 1890.

    Numa das cartas endereçadas a sua amada, Machado de Assis diz: Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir e pensar.

    De fato, Carolina Augusta, ou “Carola”, como Machado de Assis a chamava, era uma mulher extremamente culta. Provavelmente foi ela quem introduziu Machado de Assis à leitura dos clássicos portugueses, espanhóis (como Dom Quixote, por exemplo) e ingleses. Lembrando que as principais obras de Machado foram todas escritas após o seu casamento: Dom Casmurro (1899), Memórias Póstumas de Brás Cubas (1880) e Quincas Borba (1886). O casal, assim como personagem ficcional Brás Cubas, nunca teve filhos. Mas eles tinham uma cadela, chamada Graziela. No livro Quincas Borba, o personagem também tem um cachorro chamado Quincas Borba e fala da polêmica de se dar um nome de gente para um cão (coincidência?).

    A sobrinha-bisneta de Carolina, Ruth Leitão de Carvalho Lima, sua única herdeira, revelou em uma entrevista de 2008 que, frequentemente, a esposa retificava os textos do marido durante a sua ausência. Quando Carola morreu, quatro anos antes de seu marido, Machado de Assis escreveu o seguinte poema:

    A Carolina


    Querida! Ao pé do leito derradeiro,
    em que descansas desta longa vida,
    aqui venho e virei, pobre querida,
    trazer-te o coração de companheiro.

    Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
    que, a despeito de toda a humana lida,
    fez a nossa existência apetecida
    e num recanto pôs um mundo inteiro...

    Trago-te flores - restos arrancados
    da terra que nos viu passar unidos
    e ora mortos nos deixa e separados;

    que eu, se tenho, nos olhos mal feridos,
    pensamentos de vida formulados,
    são pensamentos idos e vividos

    Muito obrigada a todos e todas que acompanham o nosso trabalho. Esta é uma humilde contribuição do blog 600 Livros ao blog Literatura-Brasileira.

    BOA SEMANA!

    BOAS LEITURAS!

    1. Um livro que mostra bem a importância do meio e da comunidade para que algumas pessoas possam se mostrar extraordinárias é Fora de Série–Outliers do escritor canadense Gladwell Malcolm.
    2. No livro Quincas Borba de Machado de Assis, escrito entre 1886 e 1991, ou seja, quando ele já era casado, existem duas personagens que desejam se casar tardiamente para os padrões da época. Talvez a construção delas se devesse a experiência da própria esposa.

    Mais postagens sobre As Mulheres na vida de grandes escritores:

    Maria Julieta de Andrade
    https://www.literatura-brasileira.com/2018/04/mariajulieta.html

  • A história única cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas sim que são incompletos. Eles fazem de uma história a única história.

    — Chimamanda Ngozi Adichie

    Chimamanda Ngozi Adichie é uma proeminente escritora nigeriana. Seu primeiro romance Hibisco Roxo recebeu o Prêmio Commonwealth Writers como Melhor Primeiro Livro (2005). O seu segundo romance Meio Sol Amarelo, foi vencedor do Orange Prize para ficções (2007). Além de escritora, Adichie também é reconhecida por sua militância envolvendo questões raciais e de gênero.

    Em 2009, ela deu uma palestra ao TED falando como ela encontrou sua autentica voz cultural e nos adverte sobre os perigos de uma única história sobre outra pessoa ou país. Assista a seguir:

    Relembre aqui postagens antigas sobre a escritora:

    1. Hibisco Roxo
      literatura-brasileira.com/2017/08/hibisco-roxo.html
    2. Sejamos Todos Feministas
      500livros.blogspot.de/2015/04/sejamos-todos-feministas-de-chimamanda.html
  • Estátua de Drummond no Rio de Janeiro.
    (Fonte:Wikipedia)

    O Enterrado Vivo


    É sempre no passado aquele orgasmo,
    é sempre no presente aquele duplo,
    é sempre no futuro aquele pânico.

    É sempre no meu peito aquela garra.
    É sempre no meu tédio aquele aceno.
    É sempre no meu sono aquela guerra.

    É sempre no meu trato o amplo distrato.
    Sempre na minha firma a antiga fúria.
    Sempre no mesmo engano outro retrato.

    É sempre nos meus pulos o limite.
    É sempre nos meus lábios a estampilha.
    É sempre no meu não aquele trauma.

    Sempre no meu amor a noite rompe.
    Sempre dentro de mim meu inimigo.
    E sempre no meu sempre a mesma ausência.

    Poema de Carlos Drummond de Andrade publicado no livro Fazendeiro do Ar em 1954.

  • Hilda Hilst foi uma poetisa, ficcionista, cronista e dramaturga brasileira. A artista nasceu em Jaú, interior de São Paulo, em 1930, e faleceu em Campinas, aos 74 anos. Hilda é considerada, pela crítica especializada, a melhor escritora em língua portuguesa do século XX.

    Nos últimos anos de sua vida, Hilda passou por dificuldade financeira. O compositor Zeca Baleiro musicou alguns de seus trabalhos e convenceu diversos artistas a gravarem em solidariedade à Hilda. Disso resultou o trabalho Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé (relembre aqui). O blog Literatura Brasileira também já publicou os belíssimos poemas de Hilda: Que este amor não me cegue e não me siga (relembre aqui ) e Aflição de ser eu e não ser outra (relembre aqui).

    Hilda Hilst também deixou trabalhos que chocaram o público da época devido ao seu apelo erótico (por exemplo, A Obscena Senhora D). Com frases provocativas e marcantes, como: Que amor é esse que empurra a cabeça do outro na privada e deixa a salvo pela eternidade sua própria cabeça?.

    Lendo a Revista de História da Biblioteca Nacional número 99, encontrei a transcrição de um texto erótico atribuído a Hilda Hilst e comentado pelo professor Alcir Péroca. Compartilho o texto na íntegra:

    Isabô: Ai, Berta, tô mar… tive uns presságio…Vi uma véia tão véia coçando oiti na esquina.

    Berta: Iii, Isabô, essas coisas de coçá o oiti se chama prurido senir… daqui pra poco nóis tá iguarzinha. Te lembra do tio Ledisberto? Mandava a Eufrasina fica fazendo cafuné nos cabinho do cu dele.

    Isabô: Credo, Vige Maria, Berta! Meu tio, hein,… imagine…gente de bem. Tu é que coçava os bagos dos menininho e tirava os ranho dos buracos do nariz e enfiava na boca da Dita, coitadinha, aquele neguinha fedida que era tua prima.

    Berta: Iii, Isabô, tu tá tão porca que tá parecendo aquela véinha curta da Hirda, como é que é mesmo?, a Hirste.

    Isabô: Iii, essa véia é safada. Porca, porca, mesmo curta. Imagine só que gente mora nesse país.

    Berta: Até o presidente, que tem curtura mesmo, dá dedo, assim ó, e diz que tem os cuião roxo.

    Isabô: Berta, eu adoro roxo. Te lembra do Zequinha? Menina, que home. Quando ele metia, eu via tudo roxo, lilás, bordô.

    Isabô: Bordô o que qui é, hein Berta? É cor de jaboticaba, é?

    Berta: Tu é ignorante, imagine, bordô é… Ah, num sei explicá, é uma cor muito bonita.

    Isabô: É cor de xereca de vaca?

    Berta: Ih…, boba, xereca de vaca é vermeia.

    Isabô: Tá mais pra cu de boi?

    Berta: Tu só pensa nas partes de baixo. Bordô é a cor dos óio da Zezé Cabrita.

    Isabô: … num me fala nela, ela me tirô o Tonho de mim.

    Berta: Bordô é cor bonita. Tudo que é bonito é bordô.

    Batem na porta. É Seo Quietinho.

    Berta: Quem é, meu deus? (Olha pela janela) Ai, Vige Maria, é o Quietinho, tá loco pra fazê aquelas coisas com a gente.

    Isabô: Que coisa tu qué dizê, hein?

    Berta: Aquilo que tu fazia com o Tonho.

    Isabô: Mardita! Num faço isso há mais de trinta ano.

    Batem outra vez.

    Seo Quietinho: Ô de casa! Tu tá aí, Berta? Tu tá aí, Isabô?

    Berta: Tamo não, Quietinho. Hoje num é dia. Numa é dia de nada.

    Seo Quietinho: Por quê?

    Isabô: É dia de Santa Apolônia que protege os dente.

    Seo Quietinho: Mas eu vim aqui pra isso mesmo, pois vocês num têm dente… é pra chupá mió.

    Berta: Aiiiiii, num fala assim nas porta da rua!

    Isabô: Abre logo, que a vila intera vai sabê dessas luxúria.

    Abrem. Entra Quietinho.

    Seo Quietinho: Óia cumé qui eu já tô.

    Berta: Hoje num quero. Acabei de bochechá.

    Isabô: Ah…, eu quero. Óia como eu tô arrepiada.

    O comentarista Alcir Pécora é professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e organizador das obras completas de Hilda Hilst. Ele não duvida que o texto seja autêntico. Segundo o professor, era comum que Hilda escrevesse pequenos textos assim, quando recebia visitas e pedisse ajuda e sugestão das visitas, desse modo, ela entretinha todos os convidados com risos e gargalhadas. Ela também costumava dizer que o sexo oral perfeito só poderia ser feito por uma mulher sem dentes (ou seja, ela estava militando em causa própria).

    Alcir também destaca o lado político do texto (o presidente do “cuião roxo” era Fernando Collor de Mello) e a denúncia a hipocrisia social (da porta para fora, ninguém pode ficar sabendo, mas dá porta para dentro, está tudo bem).

    O aspecto mais revelador do texto, segundo Alcir, é o nome das protagonistas (Berta e Isabô). Elas podem vir de dois clássicos romances góticos ingleses. Isabô pode ser uma alusão à Isabella Liton de O morro dos ventos uivantes (1847) de Emily Brontë e Berta pode vir de Bertha Manson, personagem do livro Jane Eyre (1847) de Charlotte Brontë (irmã de Emily). Duas personagens estranhas ao encontro do verdadeiro amor.


    O único quadro das três irmãs Brontë (as escritoras Charlotte, Emily e Anne) que não é alvo de disputas judiciais. Pintado por seu irmão Brandwell Brontë em 1834.

    Nas palavras de Pécora: Pode-se argumentar, com razão, que disso não se ri. E está aí justamente o segredo da graça que se explora no trecho: aplicar os nomes dessas personagens de romances góticos, usualmente pensados como românticos, misteriosos e sofisticados, à dupla de roceiras maledicentes e sem atrativos. O violento contraponto dos registros produz o ridículo e o cômico da incongruência.

    O que vocês acharam do texto?

    (Este texto é de autoria e responsabilidade do blog 600livros.)

  • Hibisco Roxo é o primeiro romance da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. 1 O tema central da obra é violência doméstica. A história é narrada pela adolescente Kambili, que junto a seu irmão e sua mãe sofrem por conta do fanatismo religioso e violência por parte do seu pai Eugene.

    Livro Hibisco Roxo, Editora Companhia das Letras

    A forma como a escritora trata a dependência emocional das vítimas numa relação de violência doméstica é muito realista e acredito que esse tipo de leitura pode fazer com que as pessoas tenham mais empatia e conhecimento sobre relacionamentos abusivos. Tomar conhecimento dessa dependência explica uma recente alteração na Lei Maria da Penha, agora a denúncia de terceiros é o suficiente para abrir uma ação contra um agressor 2. Antes, para abrir a ação contra um agressor, era necessária a denúncia da vítima. Se ela fosse agredida, mas não denunciasse o companheiro, nada poderia ser feito. E ainda havia a possibilidade da mulher retirar a queixa diante das pressões do agressor. Esse foi um grande passo na nossa legislação para o enfrentamento da violência doméstica. É preciso entender a complexidade das relações de abuso.

    Síndrome de Estocolmo é o nome dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação (tortura, etc), passa a ter simpatia e até mesmo sentimento de amor ou amizade perante o seu agressor. 3

    a maioria das pessoas é bem familiar a esse distúrbio e deve passar por calafrios imaginando a dor que alguém possa ter passado até chegar a esse estado. Vítimas de violência doméstica chegam a esse estado muitas vezes, mas as pessoas já não parecem ter tanta empatia assim nesses casos. E essa falta de empatia se expressa quando dizem coisas do tipo:

    Mulher que apanha do marido e não larga dele é porque gosta de apanhar

    ou

    porque não larga ele? porque se submete a isso

    A culpa é transferida para a vítima. Essas pessoas ignoram a dependência emocional e o medo da vítima. Um medo muito justificado, já que a maioria dos assassinatos das mulheres vítimas de violência doméstica ocorrem no momento que elas decidem dar um basta na relação. Isso sem contar com a dependência financeira, algo que se torna ainda mais crítico quando o casal tem filhos.

    A seguir uma palestra sobre violência doméstica de Leslie Steiner ao TED.4 Leslie Steiner esteve em um relacionamento com um homem que constantemente a agredia e ameaçava sua vida. Nesta palestra ela fala sobre o seu relacionamento e corrige más interpretações que muitas pessoas têm a respeito das vítimas de violência doméstica. A palestra é muito esclarecedora sobre toda a complexidade das relações abusivas e o porquê é tão difícil sair de uma relação de abuso.

    Leslie Morgan – Por que as vítimas de violência doméstica não vão embora?

    Mais sobre o tema …

    1. Hibisco Roxo
      homoliteratus.com/hibisco-roxo-de-chimamanda-ngozi-adichie/
    2. Lei Maria da Penha vale mesmo sem a denúncia da vítima
      brasil.estadao.com.br/noticias/geral,lei-maria-da-penha-agora-vale-mesmo-sem-a-necessidade-de-denuncia-da-vitima,833694
    3. Sindrome de Estocolmo (Wikipédia)
      pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADndrome_de_Estocolmo
    4. Palestra TED de Leslie Morgan Steiner
      www.ted.com/talks/leslie_morgan_steiner_why_domestic_violence_victims_don_t_leave
  • Nada ficou no lugar
    Eu quero quebrar essas xícaras
    Eu vou enganar o diabo
    Eu quero acordar sua família

    Eu vou escrever no seu muro
    E violentar o seu rosto
    Eu quero roubar no seu jogo
    Eu já arranhei os seus discos

    Que é pra ver se você volta
    Que é pra ver se você vem
    Que é pra ver se você olha
    Pra mim

    Nada ficou no lugar
    Eu quero entregar suas mentiras
    Eu vou invadir sua aula
    Queria falar sua língua

    Eu vou publicar seus segredos
    Eu vou mergulhar sua guia
    Eu vou derramar nos seus planos
    O resto da minha alegria

    Que é pra ver se você volta
    Que é pra ver se você vem
    Que é pra ver se você olha
    Pra mim

    Que é pra ver se você volta
    Que é pra ver se você vem
    Que é pra ver se você olha
    Pra mim

    Ouça também … ♪ ♫ ♩ ♫ ♬ ♪ ♫

    Outra vez

    Falando de amor

    Jõao e Maria

    ​​​Suíte do pescador



  • XI - Sou um guardador de rebanhos


    Sou um guardador de rebanhos
    O rebanho é os meus pensamentos
    E os meus pensamentos são todos sensações.
    Penso com os olhos e com os ouvidos
    E com as mãos e os pés
    E com o nariz e a boca.

    Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
    E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

    Por isso quando num dia de calor
    Me sinto triste de gozá-lo tanto.
    E me deito ao comprido na erva,
    E fecho os olhos quentes,

    Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
    Sei a verdade e sou feliz.

    XIII - Leve


    Leve, leve, muito leve,
    Um vento muito leve passa,
    E vai-se, sempre muito leve.
    E eu não sei o que penso
    Nem procuro sabê-lo

    XXI


    Se eu pudesse trincar a terra toda
    E sentir-lhe um paladar,
    E se a terra fosse uma coisa para trincar
    Seria mais feliz um momento…

    Mas eu nem sempre quero ser feliz.
    É preciso ser de vez em quando infeliz
    Para se poder ser natural…
    Nem tudo é dias de sol,
    E a chuva, quando falta muito, pede-se.
    Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
    Naturalmente, como quem não estranha
    Que haja montanhas e planícies
    E que haja rochedos e erva…

    O que é preciso é ser-se natural e calmo
    Na felicidade ou na infelicidade,
    Sentir como quem olha,
    Pensar como quem anda,
    E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
    E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
    Assim é e assim seja…

    — Alberto Caieiro, heterônimo de Fernando Pessoa em O guardado de Rebanhos.

    Outros poemas de Fernando Pessoa …